Cuiabá, 04 de Maio de 2024

POLÍTICA Quarta-feira, 05 de Abril de 2017, 19:16 - A | A

05 de Abril de 2017, 19h:16 - A | A

POLÍTICA / ENTREVISTA EXCLUSIVA

Defensora Pública Rosana Leite fala sobre violência doméstica e preconceito contra mulheres

Mesmo conquistando vários direitos, mulheres ainda continuam sendo prejudicadas no mercado de trabalho, sendo vítimas de violência e menosprezadas

Aline Almeida / Revista Única



 

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Representando mais da metade da população brasileira (segundo o IBGE), 53% do eleitorado brasileiro (segundo o Tribunal Superior Eleitoral) e ainda ocupando 60% das cadeiras das universidades, as mulheres ainda não conquistaram o devido espaço na sociedade. A luta feminina pela igualdade de gênero foi desencadeada há anos. No entanto, a diferença entre homens e mulheres ainda é larga.

 

As conquistas vieram aos poucos, pelo direito do voto, de estudar, de usar calça comprida, de usar biquínis, de trabalhar, a mulher vem buscando cada vez mais reforçar o direito de ser mulher. Mas as disparidades, mesmo com as conquistas, são evidentes. Mulheres ocupando os mesmos cargos que homens e ganhando menos. Mulheres que por anos lutam por posições de chefia nas empresas e veem suas vagas tomadas por homens.

Mas o mais triste: mulheres que ainda por vergonha ou medo – ou por suas razões – sofrem a cada dia mais com a violência doméstica. No Estado, por dia, 120 mulheres são vítimas de algum tipo de violência, essas somente as que registram ocorrência. 

Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso apontam que somente no ano passado 43.791 mulheres foram vítimas de violência doméstica no Estado. 

 

Deste total, 19.402 foram ameaçadas, 9.795 vítimas de lesão corporal. Ainda 227 foram estupradas (o número de estupros é maior porque, segundo o Ipea, somente 10% dos casos chegam ao conhecimento das autoridades). Foram ainda 202 sequestros e cárcere privado, 361 tentativas de homicídio, 91 mortes, 151 tentativas de estupro, 22 estupros de vulneráveis, entre outros registros.

 

 

Para falar mais sobre essa realidade, nossa convidada é a coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública e conselheira no Conselho Estadual de Defesa da Mulher Rosana Leite Antunes de Barros.

 

Única - Rosana, fale um pouco sobre esses números. A senhora tem visto crescimento nas denúncias?

 

Rosana  Leite - Não há crescimento dos números, isso porque a violência sempre existiu. A violência doméstica é como a violência nas ruas que a mulher sofre por vários fatores, por ser tida como ser humano de segunda categoria, como alguém menor, em razão de toda a desigualdade que sempre existiu. O aumento das denúncias ocorreu e é preciso refletir sobre esses dados. Comparando os anos de 2015 e 2016, o aumento foi de mais de 9 mil. Desta forma, é preciso refletir se essa violência já existia e que a mulher passou a acreditar mais no Poder Público ou se foi um aumento real.

 

Única - Hoje a mulher vítima de violência doméstica conta com casas-abrigo para ficar quando se sentir ameaçada, assim como os filhos, pelo tempo que precisar. Qual sua avaliação destas casas?

 

Rosana Leite - Mato Grosso conta apenas com cinco casas-abrigo para as mulheres vítimas de violência. Essas casas, surgidas com a Lei Maria da Penha, existem exatamente porque as mulheres, ainda que com medidas protetivas, correm algum tipo de risco e necessitam de amparo. Aquelas mulheres que se sentem amedrontadas ou que se separam e não têm para onde ir com os filhos podem buscar amparo nestas casas e ficar pelo tempo necessário. No papel, essas casas tinham a função de que a mulher entrasse nelas e saíssem capacitadas. Mas isso não ocorre em Mato Grosso. É necessário que essas mulheres recebam capacitação, se sintam seguras e que não se sintam revitimizadas, que elas saiam do ciclo de violência.

 

“A mulher sofre violência por vários fatores, por ser tida como ser humano de segunda categoria, como alguém menor, em razão de toda a desigualdade que sempre existiu”, diz Rosana Leite

 

Única - Por que muitas mulheres continuam no ciclo de violência?

 

Rosana Leite - Muitas mulheres estão financeiramente ligadas ao marido, por isso aceitam o relacionamento abusivo. Um dos fatores preponderantes para que a mulher continue no relacionamento abusivo é a dependência econômica e por isso a necessidade de capacitá-la, o que muitas vezes durante o relacionamento é proibido pelo parceiro até mesmo por ciúmes. O agressor não tem face. Muitas mulheres têm vergonha de buscar amparo, e a violência está em todas as classes sociais. O homem que comete violência doméstica em regra é réu primário, mas é um agressor e a sociedade precisa entender isso.

 

Única - O número de denúncias de estupros vem aumentando a cada dia, mas em relação às crianças. Esse tipo de crime contra a mulher é menor? Por que ele não é tão divulgado?

 

Rosana Leite - O estupro é o crime mais subnotificado do mundo. Apenas 10% dos casos chegam ao conhecimento das autoridades. No caso das mulheres, muitas acabam sendo estupradas pelos próprios maridos. Os casos contra as crianças acabam sendo mais comuns porque é uma obrigação moral de uma mãe, de uma professora ou de qualquer um que tomar conhecimento do fato denunciar. No caso da mulher vítima, muitas vezes ela acaba não denunciando por medo ou vergonha, mas com certeza os casos são muitos.

 

Única - Existe o pensamento impregnado na sociedade de que “a mulher apanha porque gosta”, “ela foi estuprada porque mereceu, olha as roupas que usa”. Como a senhora avalia essas frases?

 

Rosana Leite - Esses são chavões criados para menosprezar as mulheres. Uma das frases citadas veio com a criação da Lei Maria da Penha: “Hoje em dia é melhor matar do que bater”. Essa não é a realidade, essas frases são machistas. E até mesmo a Lei Maria da Penha, quando criada, sofreu os mesmos preconceitos que as mulheres. Em briga de marido e mulher tem que meter a colher sim, segredo de casa não é só barata que conhece. Precisamos, sim, denunciar, e foi isso que a Lei Maria da Penha proporcionou.

 

Única - Uma das práticas mais comuns, principalmente na política, é usar mulheres como degrau. O Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso enviou à Procuradoria Regional Eleitoral a relação das candidaturas femininas com registro deferido, mas que tiveram votação zero nas urnas, ou seja, não receberam nem o próprio voto. O que a senhora pensa disso?

 

Rosana Leite - Apesar de existir a cota de participação na política, ela está servindo de degrau para os homens. Muitas mulheres são laranja. As mulheres estão aceitando esta situação, e não podemos aceitar. Muitos partidos aceitam mulheres para cumprir a cota e no final acabam apoiando muito mais a candidatura do sexo masculino.

 

“Existe a necessidade de maior confiança no trabalho da mulher, precisamos desta igualdade material. A mulher está tendo que se firmar a cada dia, provar sua competência a cada dia, para ocupar um cargo tem de se capacitar, se formar, até mais que um homem. Temos que firmar nossa competência todos os dias, os homens parecem que nasceram prontos”, frisa Rosana

 

Única - Maioria no mercado de trabalho, maioria nas faculdades, mas minoria nos cargos de chefia. As mulheres ainda não conquistaram o espaço adequado no mercado de trabalho. Qual seu posicionamento diante disso?

 

Rosana Leite - No Poder Público não pode ter diferença de salários, entretanto ainda há diferenciação quando a mulher pode galgar um cargo de confiança e é chamado um homem. Temos em Mato Grosso mais mulheres como servidoras, mas se formos ver os salários, os homens somam os maiores, isso porque são os que mais ocupam cargos de confiança. No setor privado, em que não há a obrigação de equiparação de salários – e é exatamente aí que ocorrem as maiores diferenças –, mulheres ocupam os mesmos cargos ganhando menos. Existe a necessidade de maior confiança no trabalho da mulher, precisamos desta igualdade material. A mulher está tendo que se firmar a cada dia, provar sua competência a cada dia, para ocupar um cargo tem de se capacitar, se formar, até mais que um homem. Temos que firmar nossa competência todos os dias, os homens parecem que nasceram prontos.

 

Única - Muitas mulheres acabam sendo as primeiras a apontar o dedo para as vítimas de violência, às vezes até menosprezando. Como a senhora avalia este fato de as mulheres não se solidarizarem com as outras?

 

Rosana Leite -  As mulheres precisam se solidarizar com a causa das outras. Cito uma frase de Simone de Beauvoir que diz que “o opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os oprimidos”. Se a cada mulher que fosse vítima de algum tipo de violência as outras se solidarizassem, se engajassem na causa, nossa realidade seria diferente.

 

Única - Hoje, o que é ser mulher no mundo? Qual o desafio de ser mulher?

 

Rosana Leite - Primeiro se reconhecer o gênero feminino e sentir as dores que as outras mulheres sentem, a felicidade que a outras mulheres sentem através da sororidade. Se sentir mulher é ser feliz com a vitória das outras e sentir a dor que qualquer uma mulher sofra de violência dentro e fora dos lares. Essa é a principal forma de se sentir mulher hoje.

 

Única - O quanto precisamos avançar para mudar a realidade de violência, no mercado de trabalho, na política e em todos os quesitos quando se fala em mulher?

 

 

Rosana Leite - Precisamos trabalhar educação tanto nas escolas como nos lares, educação não machista, não sexista. Precisamos trabalhar a não violência contra a mulher, fazer com que a sociedade compreenda realmente que a igualdade passa pela não violência, pelo respeito, pela equidade. Se a sociedade conseguir compreender desta forma, teremos uma realidade melhor.

 

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