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Quarta-feira, 06 de Dezembro de 2017, 09h:36

“Levantamos o tapete”, diz Ciro Rodolpho a respeito de auditorias no Estado

Segundo o controlador-geral do Estado, em mil dias de gestão só com despesas de locação, terceirização, TI, entre outras, Mato Grosso economizou R$ 1 bilhão com os itens auditados

Aline Almeida / Revista Única

(Foto: Roger Perisson)

Ciro Rodolpho

 

Natural do município de Barão de Melgaço e graduado em Direito pela Universidade de Cuiabá, Ciro Rodolpho Pinto de Arruda Siqueira Gonçalves foi aprovado em 2010 no concurso público para o cargo de auditor do Estado de Mato Grosso, da Controladoria Geral do Estado (CGE, antiga AGE). Em pouco mais de cinco anos de carreira no órgão, seu estilo arrojado, dinâmico e incisivo já lhe permitiu atuar como superintendente tanto na área de auditoria como de corregedoria. 

 

Entretanto, foi na área de auditoria em aquisições e contratos que ele mais se destacou, ao atuar em trabalhos relevantes como: auditoria no contrato com a empresa Delta, análise de aquisição de medicamentos, indicação de providências com relação aos pagamentos efetuados à rede credenciada pelo Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores do Estado (MT Saúde) e análise de pregão para contratação de serviços gráficos, trabalho que subsidiou a operação Edição Extra, da Polícia Civil. Ciro Rodolpho Gonçalves também é pós-graduado em Auditoria Governamental e Contabilidade Pública.

O controlador vai contar um pouco do trabalho à frente da CGE, os avanços do Estado e o que já é possível colher como fruto das auditorias. 

 

Única - Controlador geral Ciro Rodolpho Gonçalves, explique como a CGE atua.

 

Ciro Rodolpho - A CGE tem a incumbência, o papel de órgão central do controle interno do Poder Executivo, do governo do Estado. Os atos administrativos ocorrem em todos os setores da administração direta, secretarias, autarquias, todos os atos estão sendo geridos. Cabe ao órgão central estar atento aos atos administrativos que estão sendo conduzidos. Para isso está estruturado, hoje somos 91 auditores, uma equipe técnica e servidores que desempenham o controle pontualmente nas secretarias. Essa árvore de atuação faz com que a CGE atue ora preventivamente, antes ou no momento em que os atos estão sendo realizados. Ou a posteriori, através das auditorias que são diagnósticos reportados à alta gestão. As auditorias acabam sendo o fruto mais conhecido da atuação. Elas vêm ganhando mais notoriedade por conta do passado recente de corrupção. Além da atuação preventiva, têm a faceta de ouvidoria/transparência que é compartilhar com o cidadão a necessidade de controlar, e para ser controlador ele precisa de informação. A outra atuação é a disciplinar que é a de corregedoria, é a capacidade de o controle aplicar penalidade seja ao agente público ou ao agente privado. Atuando nesses eixos, o controle trabalha com a ideia de governança ideal, que é a capacidade do Estado de prestar contas, ouvir o que o cidadão está dizendo. A governança impõe uma gestão transparente e com capacidade de ouvir. Nosso objetivo também é buscar onde estão ocorrendo ineficiências, desperdícios.

 

Única - Podemos citar uma série de auditorias que foram realizadas pela CGE apontando mais de R$ 1 bilhão na gestão Silval. O que esta auditoria pode subsidiar?

 

Ciro Rodolpho - É preciso compreender que a instituição CGE é uma instituição que existe há mais de 35 anos. Com a mudança de 2014 para 2015, houve mudanças de expectativas, de perfil de gestão, mudanças naturais de um governo para outro. O governador Pedro Taques, entendendo a CGE ser um órgão de Estado, confiou que a instituição está capacitada com informações do Estado. Determinou assim uma série de auditorias de contratos mais relevantes do Estado. Tínhamos contratos nocivos à administração e a gestão passada relutava em descontinuá-las, seja por fraude nas licitações, contratos mal executados, fraudados. Tudo isso foi apresentado ao governador num planejamento. Em outras gestões a única autoridade que nos cabia era encaminhar ao Ministério Público para tomar as devidas providências, o que foi mudado quando a Auditoria Geral do Estado se tornou Controladoria Geral do Estado. Fizemos o planejamento e auditamos os principais contratos do Estado, os mais relevantes financeiramente, por exemplo, os contratos da Copa do Mundo, obras da Arena, contratos do MT Integrado, contratos de eventos, entre outros. Auditamos R$ 5 bilhões em contratos. Mapeamos R$ 1,033 bilhão em recurso público desviado por fraude e desperdício. A partir daí novos trabalhos foram feitos, contratos rescindidos, novas licitações foram feitas, fiscalização de entregas enrijecidas, além de compartilhar com outras autoridades para fazer a continuidade dos trabalhos, daí começam a surgir Sodoma I, Sodoma II, até a 5, Operação Seven, Operação Descarrilho. As auditorias têm sido um grande esteio para essas operações em andamento. Foi isso que resultou em ex-governador e ex-secretários presos, empresas devolvendo dinheiro. A grande maioria dos contratos confessados por Silval Barbosa no bojo da delação, 80% dos eventos que ele narra eram objeto das auditorias. Mas o que posso dizer é que auditoria não resolve problema, o que resolve problema é a tomada de decisão.

 

Única - Quais resultados da tomada de decisão?

 

Ciro Rodolpho - Temos, por exemplo, um perfil de gastos ao longo dos últimos cinco anos. Em 2013, o Estado gastou R$ 740 milhões com algumas despesas no Estado. Nestas despesas estão TI, combustíveis, eventos de publicidade, manutenção de rodovias, terceirização de serviços, dentre outras. Em 2014, foram R$ 764 milhões, grande partes destes itens foi objeto de auditoria. A gente faz auditoria e mostra o problema. Em 2015, foram R$ 480 milhões, R$ 469 milhões em 2016 e R$ 374 milhões em 2017. Esse resultado é fechamento de ralo da corrupção e fechamento de ralo do desperdício. Isso não aconteceria se, feitas as auditorias, o gestor não tomasse decisões. Não adianta fazer os apontamentos e o gestor continuar no mesmo caminho. A dificuldade com a antiga gestão era o não enfrentamento desta tomada de decisão. Em mil dias de gestão só com despesas de locação, terceirização, TI, entre outras, foi R$ 1 bilhão de retração dos gastos públicos com os itens auditados.

 

Única - A CGE está investigando o consórcio e as empresas ligadas ao VLT. O que motivou isso e em que pé está? Já podemos ter uma ideia de quando será finalizado e que caminhos serão orientados?

 

Ciro Rodolpho - Desde 2015 fizemos várias auditorias, principalmente na execução do contrato. Havia a necessidade de a alta gestão esclarecer o que havia de mito e verdade sobre esse contrato do VLT. Mitos e verdades do tipo: por que a obra não terminou, por que os trilhos não foram colocados, quando vai terminar, quem teve culpa na má execução deste contrato. O governador precisava ter clareza disso para saber se continuava ou não as obras. Mapeamos severos descumprimentos contratuais, sobretudo com relação à qualidade das edificações das obras civis, uma grave tolerância dos ex-gestores com relação às irregularidades contratuais. O fornecedor foi conduzindo o contrato ao seu interesse, exemplo disso foi a decisão de comprar o vagão muito antes da previsão de entrega das obras civis, além da decisão do consórcio de fazer o viaduto da UFMT e o do Parque Cuiabá e não enfrentar o viaduto da Beira Rio. As duas obras de arte que foram concluídas eram as que tinham maior margem de lucro. No da Beira Rio, a obra de arte era mais complexa e a margem de lucro era menor. Essa administração mostra severidade, parece amarga ao cidadão, mas é austera, valorosa, porque conserva o dinheiro público. Exemplo disso é que o Estado não pagou um centavo desde 2015. Com todas as auditorias, foi judicializada a questão porque administrativamente não se resolvia. Isso tem sido uma salvaguarda da administração, a gente compreende a ânsia do cidadão em andar de VLT, isso o governador vai cumprir, mas com responsabilidade. Todo o nosso trabalho vinha sendo compartilhado com outras instituições com objetivo de chegar às digitais da propina. A atuação corrupta no contrato foi trazida com a delação de Silval Barbosa. Com isso, abrimos processo administrativo que pode alcançar penalização dura para as empresas que pode chegar até 20% do faturamento no ano anterior ao ato de corrupção. É uma penalização que vai doer no bolso.

 

“Em mil dias de gestão, só com despesas de locação, terceirização, TI, entre outras, foi R$ 1 bilhão de retração dos gastos públicos com os itens auditados. Esse resultado é fechamento de ralo da corrupção e fechamento de ralo do desperdício. Isso não aconteceria se, uma vez feitas as auditorias, o gestor não tomasse decisões. Não adianta fazer os apontamentos e o gestor continuar no mesmo caminho”, diz Ciro Rodolpho Gonçalves

 

Única - São dois processos envolvendo o VLT?

 

Ciro Rodolpho - Existem dois processos administrativos em andamento, um vai permitir a rescisão, ele visa à anulação do contrato e suas consequências contratuais como multa. O outro processo administrativo não é para responsabilizar a inexecução do contrato. Mas porque tomou medidas corruptas contra o Estado, são outras consequências. O processo anticorrupção são 180 dias e foi pedido para isso compartilhamento da delação do Silval Barbosa e andamento da Operação Descarrilho. Já está dentro do processo todo o acervo documental.

 

Única - Até onde vai a competência da CGE de apurar corrupção?

 

Ciro Rodolpho - Sobre o aspecto da corrupção, o Estatuto do Servidor já impõe que é poder/dever da administração que nos casos em que servidores públicos que cometam infrações sofram consequências disciplinares. A CGE já atua nisso, não só na conscientização do servidor, quando, por exemplo, recebe um brinde, uma passagem de um fornecedor, tudo isso era uma atividade que exercíamos de conscientização, mas também num ambiente de governança para manter a penalização. Mas a corrupção não é feita só do agente público, os estudos mostram uma estruturação, setor privado, subalternos, laranjas, é uma teia muito mais complexa que faz com que o Estatuto do Servidor ainda seja muito pouco para que consiga reprimir a corrupção. Aí vem a Lei Anticorrupção, os ex-gestores e até mesmo o setor privado ignoravam as consequências desta lei dura. As consequências que o setor privado está sofrendo são duras, hoje são 20 processos de responsabilização à luz da lei anticorrupção. São 20 processos de empresas com indício de financiar vantagens, corrupção, são quase 40 empresas envolvidas nesses processos. A Lei Anticorrupção propicia ao controle interno uma espada para esse enfrentamento importantíssimo. Essa é uma das ferramentas com a responsabilização e penalização.

 

Única - Outra competência do órgão é investigar servidores. Têm sido muito recorrentes processos contra servidores? O que a CGE tem observado? Como tem sido a conduta dos agentes públicos?

 

Ciro Rodolpho - Às vezes o servidor sequer sabe o risco que é receber um brinde ou uma passagem de determinado fornecedor. A gente percebe uma atmosfera muito positiva dos agentes públicos saberem dos cuidados, da cautela. Isso faz com que a administração fique um pouco mais lenta. Mas a gente tem que entender que saímos de uma terra arrasada, temos agora uma atmosfera de responsabilização. Pelos casos delatados pelo ex-governador e nas próprias auditorias da CGE, percebe-se na leitura que o gestor não conseguiu fazer isso sem ter alguns servidores que já tinham comando para facilitar. Essa atmosfera é uma atmosfera importante e tem que existir. Mas nós, como órgão de controle, nunca desprezamos a necessidade de sensibilização da informação, do risco. Por isso a administração acaba parecendo mais lenta, até por necessidade de haver pareceres mais robustos, relatórios circunstanciados mais esclarecedores. Esse é um remédio amargo para uma doença. De outro lado, se tem aumentado ou diminuído processos contra empresas ou servidores, ainda é muito cedo. Estamos no meio desta escrita e o meio desta escrita é que levantamos o tapete. Quando levanto os tapetes, eu tenho problemas de contratos, servidores que estavam escondidinho fazendo coisa errada, fornecedor de má-fé. Os índices pareciam estar muito bacanas, mas o tapete estava escondendo alguma coisa. 

 

Única - Como o cidadão pode ser controlador?

 

Ciro Rodolpho - O cidadão tem direito a ser controlador, principalmente com a Lei de Acesso à Informação, pela qual o cidadão passou a ter um canhão a seu favor, ainda pouco exercitado. Um discurso que fica muito raso é saber quanto um servidor ganha, o cidadão pode muito mais. Ele pode conhecer os programas que o Estado se comprometeu a fazer, quanto já aplicou, quanto determinado fornecedor já recebeu. Mas cabe à administração acompanhar esse canhão, viabilizar isso ao cidadão. A CGE está pilotando um projeto há quase cinco anos em intensificar a capacidade de controle eletrônico, baseado em banco de dados do Estado. Usar o banco de dados e cruzar informações com inteligência da informação para que o auditor vá naquilo que seja relevante ou está com indicadores ruins. Batizamos o projeto de Monitoramento Inteligente de Risco em Auditoria (Mira). Esse monitoramento é que permitiu ser tão preciso no acerto do alvo. Essa tecnologia a nosso favor estamos pilotando e vem ganhando força. A ferramenta foi desenvolvida exclusivamente por RH do Estado. O governador determinou que se esta ferramenta serve para o controle da CGE, dos secretários, do governador, deve servir ao cidadão, lógico que de uma maneira amigável. Há um ano nos debruçamos no Mira versão cidadão. É muito mais que um portal de transparência. Ele é uma ferramenta de interação do cidadão com o gasto público. Mostrar ao cidadão o que está sendo feito com dinheiro público. Deixar ao cidadão em tempo real o caminho para o dinheiro público.

 

Única - Como funciona o Mira?

 

Ciro Rodolpho - A gente fornece ao cidadão um painel do que está acontecendo com o dinheiro público. O cidadão pode conhecer o tipo de despesa, conhecer o caminho do dinheiro na área da saúde, da educação, da segurança. Ao pesquisar combustível, por exemplo, ele pode ter acesso às empresas, às despesas, quais secretarias mais consomem, qual fornecedor mais fornece. Funciona tipo Google. Pode pesquisar o tipo de despesa que quer saber, servidor que quer saber, fornecedor que quer saber. É um dado transparente, um dado público. Com o Mira, o cidadão controlador vai ver o gasto. O cidadão controlador vai perguntar por que se gastou tanto com evento, tanto com medicamento, ele vai estar vendo o gasto; esse é efeito da transparência. A transparência é trazer o cidadão para o controle. O Mira também vai trazer a opção de interação de controlador.  Na parte de denúncia/cidadão, ele vai poder falar: “CGE dá uma olhada nisso, porque meu município está recebendo menos que esse daí”. Essas informações vêm para o órgão central. O cidadão também pode pedir cópia de contrato. As informações são em tempo real, todos os segmentos também vão poder controlar suas pautas.