Cuiabá, 25 de Abril de 2024

ARTIGOS/UNICANEWS Sábado, 08 de Julho de 2017, 15:51 - A | A

08 de Julho de 2017, 15h:51 - A | A

ARTIGOS/UNICANEWS / DANIEL GRANDINETTI

O ciúme é sinal de uma relação que ainda não começou

Daniel Gradinetti - psicologo



Daniel Grandinetti

 

O que torna uma pessoa especial para outra? Há dois padrões de resposta a essa questão. O primeiro privilegia as qualidades do outro. Elogia-se sua inteligência, a beleza, seu jeito encantador de ser. Em síntese, afirma-se: “Fulano é uma pessoa maravilhosa. Por isso é especial para mim”. O segundo privilegia as experiências compartilhadas com o outro, a história dividida com ele. Em síntese, afirma-se: “Tenho memórias maravilhosas de Fulano. Por isso ele é especial para mim”.

 

Atribuindo valor especial às qualidades do outro, o primeiro padrão idealiza sua pessoa. Atribuindo valor especial à história dividida com o outro, o segundo destaca os sentimentos desenvolvidos na relação com ele. O sentimento próprio à idealização é o encantamento. Encantados por alguém, não apreendemos corretamente suas qualidades reais, positivas e negativas. Insuflamos as positivas e desdenhamos as negativas. Por sua vez, os sentimentos construídos na relação com o outro destacam-se pela ambivalência. Não há necessariamente a apreensão isenta de suas qualidades pessoais. A avaliação tanto das positivas quanto das negativas pode passar longe da imparcialidade, havendo inclusive a possibilidade de as negativas parecerem superar quantitativa e qualitativamente as positivas. Assim, mesmo os sentimentos mais sublimes permeiam-se de frustração e ressentimento, em doses variáveis. Porém, cientes de serem esses os sentimentos a formarem a base de nossa identidade, eles nos são especiais.

 

Não é necessário relacionar-se para encantar-se. O encantamento pode surgir ao primeiro contato, mesmo à distância. Nesse caso, ele representa a expectativa de uma relação mágica. Pela via do sujeito encantador, o encantado espera sanar suas carências e fazer as pazes com o mundo. No decorrer de uma relação, o encantamento se dá pela crença de viver em paz com o mundo através do encantador. O encantado crê encontrar, nas qualidades do encantador, o bálsamo para suas próprias deficiências pessoais. “Você me faz uma pessoa melhor, é minha parte mais preciosa”, ele lhe diz. Logo, entre encantado e encantador prevalece a disparidade: O encantado eleva o encantador acima de si, idealizando a relação com ele - quer ela exista na realidade ou apenas em fantasia - como condição necessária à sua vida.

 

Na medida em que a relação com o encantador é idealizada pelo encantado como indispensável, seus obstáculos são sentidos como ameaças graves. Entre eles, o mais temido é a possibilidade de a relação findar pela via do abandono. E entre as causas possíveis de abandono, a mais temida é o ser trocado por outra pessoa. Consequentemente, no encantamento a relação com o outro, indispensável ao eu, deve ser exclusiva: “Preciso possuir o outro com exclusividade para que em minha relação com ele eu encontre paz”. O ciúme é a forma específica do temor de perder essa exclusividade ou de não conseguir estabelecê-la.

 

Por sua vez, os sentimentos relacionais - construídos na convivência continuada - tendem à equanimidade, porquanto ao outro atribui-se patamar semelhante ao eu, humanamente dotado de qualidades positivas e negativas. Não são seus méritos pessoais que lhe tornam especial, mas os sentimentos nutridos por ele. E na medida em que a relação resulta no desenvolvimento de sentimentos que desfazem o encantamento e posicionam o outro em condições equânimes às do eu, a exclusividade deixa de ser necessária. O eu, não mais crendo encontrar no outro seu bálsamo, pode libertá-lo para correr o mundo, certo de não haver ameaça possível aos sentimentos que fundamentam sua identidade.

 

Encantamento e sentimentos relacionais podem coexistir. Mas o ciúme é produto exclusivo do encantamento, consequência da idealização. A idealização preenche o espaço ainda não ocupado pela relação, pois “idealizar” é formar uma ideia, e só nos relacionamos com a ideia de alguém quando não o conhecemos. Para conhecê-lo, é preciso com ele relacionar-se. O encantamento termina onde começa a relação. Por isso o ciúme é sinal de uma relação que ainda não começou - ou que só começou precariamente.

Daniel Grandinetti

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